sábado, 1 de novembro de 2008

















CANA-DE-AÇÚCAR: O AGRONEGÓCIO ALAGOANO

Cicero Adriano Vieira dos Santos
Engº Agrônomo

Histórico
O estado de Alagoas possui a sua economia ancorada no cultivo da cana-de-açúcar, que representa cerca de 80 a 90% das vendas externas. A área plantada com cana é de aproximadamente 350 mil hectares
A cana-de-açúcar se destaca como uma cultura excepcional. É uma gramínea muito resistente as intempéries do tempo e adapta-se a quase todos os habitat’s. É uma cultura muito rica e dela é extraída mais de 20 subprodutos, sendo que o açúcar e o álcool possuem maiores destaques, por serem uma commodities. Segundo a UNICA (2007), do bagaço, obtêm-se bagaço hidrolisado para alimentação animal, diversos tipos de papéis, fármacos e produtos como o furfurol, de alta reatividade, para a síntese de compostos orgânicos, com grande número de aplicações na indústria química e farmacêutica. Do melaço, além do álcool usado como combustível, bebida, e na indústria química, farmacêutica e de cosméticos, extraem-se levedura, mel, ácido cítrico, ácido lático, glutamato monossódico. Do etanol, podem ser fabricados polietileno, estireno, cetona, acetaldeído, poliestireno, ácido acético, éter, acetona e toda a gama de produtos que se extraem do petróleo. Seu variado uso inclui a fabricação de fibras sintéticas, pinturas, vernizes, vasilhames, tubos, solventes, plastificantes, etc. Dos resíduos, utilizam-se a vinhaça e o vinhoto como fertilizantes. Existem ainda outros derivados: dextrana, xantan, sorbitol, glicerol, cera refinada de torta, antifúngicos, etc.
Alagoas, assim como o nordeste tem a tradição do plantio da cana. A cana é cultivada nestas terras desde o dito descobrimento do Brasil, como podemos observar ao longo da nossa historia. A exploração da cana aqui no Brasil se iniciou por Martins Afonso de Souza em 1532 e nunca mais foi abandonada. Inicialmente foi plantada nos solos de massapés do nosso litoral e aos pouc
os foi subindo os planaltos até atingir os solos dos tabuleiros. É bem verdade que para cana chegar ao ponto que está hoje, houve muitos incentivos governamentais e os trabalhos de melhoramento genético lhe permitiu ótimas produtividades e adaptações.
O governo brasileiro sempre incentivou a monocultura da cana, a criação do Instituto de Açúcar e Álcool – IAA pelo governo Vargas em 1933 garantiu que o seu plantio fosse expandido em todo o país. Alagoas ganha mais destaque dentro deste contexto através dos trabalhos de melhoramento da Serra do Ouro, em Murici, através da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Hoje a UFAL é uma das principais instituições da America Latina no desenvolvimento novas variedades de cana.
No inicio da década de 70 para incentivar ainda mais o plantio de cana, o governo federal criou o PLANALSUCAR, onde foi destinado mais dinheiro para incentivar o plantio da cana. Através deste programa foi garantido mais recursos para este setor com a famosa equalização. O que era isso? Para garantir a sobrevivência dos usineiros, o governo garantia recursos de incentivos aos usineiros Nordestinos para que estes pudessem competir com os usineiros do sul e do sudeste, já que a produtividade deles era bem maior. Com a extinção do PLANALSURCAR pelo presidente Collor muitas usinas faliram e outras mudaram para o sudeste e centro-oeste do país.
Esperando um aumento na demanda do consumo de açúcar internacionalmente na próxima década, 1980, a produção de açúcar foi aumentada. Mas, o que aconteceu foi o contrário e o consumo de açúcar começou a cair e a partir da segunda metade de década de 70 os usineiros pressionaram o governo para a criação do Proálcool. Criado em 1975, o Proálcool serviu apenas para absorver a excedente produção que, em tese, deveria ser colocada no mercado internacional. Isso somente foi possível por que o preço da gasolina dobrou no mercado internacional, assim a agroindústria canavieira foi a grande beneficiária com o aumento do petróleo ocorridos em 1974 e em 1979. O Proálcool aumentou ainda mais a concentração de terras em Alagoas.
A monocultura da cana em Alagoas somente se tornou o império que vemos hoje por conta dos vários incentivos e subsídios garantidos pelos sucessivos governos, que sempre apoiaram os seus plantadores, a elite aristocrática alagoana.
Desastres Sociais
Observando-se a historia da monocultura canavieira em Alagoas, vemos que a cana é responsável por grande parte dos desastres sociais e ecológicos do estado. A cultura da cana, como já foi mencionado é uma cultura muito resistente das intempéries do tempo e por isso o seu manejo requer menos mão-de-obra para o cultivo. Enquanto um hectare de fruticultura emprega diretamente três trabalhadores, um hectare de cana emprega apenas 0,3. No passado, antes do aparecimento dos herbicidas, a capina da cana era realizada manualmente e assim empregava os trabalhadores durante todo o ano. Mas a partir dos anos 90 isso acabou e toda a capina foi substituída pelo uso de herbicida e os trabalhadores ficaram sem trabalho nas entressafras. Para não ficar sem trabalho nas entressafras, todos os anos, milhares de trabalhadores viajam para o sul do país para cortar cana. Existem algumas cidades alagoanas que recebem o apelido de cidade de viúvas com os maridos vivos, pois seus maridos viajam por seis meses para cortar cana e deixam suas esposas em casa cuidando dos filhos.
Com o aumento da fiscalização do ministério do trabalho nos anos 90 obrigando as usinas a cumprir as leis trabalhistas, as usinas começaram a acabar com as fazendas e em menos de 10 anos foram derrubadas mais de 50 mil casas em Alagoas. Estes trabalhadores tiveram que procurar outros locais para sobreviver nas cidades próximas das usinas e nos grandes centros comerciais.
O período que as usinas mais empregam é na época da colheita, com o corte cana, mas isto está com os dias contados, pois as máquinas cortadeiras de cana estão pouco a pouco sendo empregada em Alagoas e a área de cana com cana está sendo reduzida. Os usineiros alagoanos passaram a montar usinas em outros estados do sul, sudeste e centro-oeste do País. As usinas que possuíam áreas muito acidentadas faliram devido à baixa produtividade e emprego de mais mão-de-obra e suas terras foram vendidas para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA para fazer reforma agrária, a exemplo das usinas Ouricuri, Agrisa, Peixe, Porto Alegre.
Trabalho penoso e degradante
O corte de cana por si só é um trabalho muito degradante, sendo um dos trabalhos mais pesados que existe em nossa região. Os trabalhadores ficam expostos ao sol escaldante durante todo dia em contato direto com a fuligem resultante da queima da cana, fazendo com que no final do dia estes trabalhadores pareçam com trabalhadores de carvoeiras.
Durante todo o dia o seu instrumento de trabalho é um podão, uma espécie de facão, que pesa cerca de um quilograma totalmente amolado (afiado). Muitas vezes os trabalhadores chegam a se acidentar com cortes profundos nas mãos ou nos pés, em alguns casos, chegam a perder dedos das mãos e dos pés. É um trabalho muito penoso...



Desastres ecológicos
Os desastres ecológicos ocasionado pela cultura da cana é imensurável, começando pelo desmatamento da mata atlântica. Enquanto no Brasil existe cerca de 5% desse bioma, Alagoas possui apenas 3% ou 4%. As maiores partes dessas áreas desmatadas deram lugar para o plantio da cana-de-açúcar. Com o desmatamento das matas nativas, muitos rios foram reduzidos, assoreados e contaminados.
No processo de fabricação do açúcar e do álcool as usinas utilizam grandes quantidades de águas para a lavagem da cana para retirada das impurezas que vem do campo. Para se ter idéia, para cada litro de álcool fabricado são gastos 13 litros de água. Na safra 2007/2008, Alagoas produziu 852.907.000 litros de álcool e 2.601.877 toneladas de açúcar. Isso quer dizer que as usinas de Alagoas jogaram cerca de 11.087.791.000 (onze bilhões, oitenta e sete milhões, setecentos e noventa e um mil) litros de vinhaças ao meio ambiente. Essa água é utilizada como fertirrigação por ser rica em nutrientes, em conseqüência contamina o solo e os lençóis freáticos da região onde é utilizada.
Queima de cana e aplicação de vinhaça – fertirrigação.
Todos nós sentimos de perto os impactos ocasionados pelas usinas na época da moagem, basta passar pelas rodovias alagoanas para sentirmos o mau cheiro insuportável quando passamos perto das usinas e nas áreas onde estão sendo irrigadas com vinhaça. Esse mau cheiro é pior ainda para as populações vizinhas aos canaviais, que muitas vezes suas casas são banhadas por esse liquido. Para se observar isso, não é preciso ir para um lugar distante de Maceió, o Conjunto Hamilton Couto sofre com isso todos os anos, pois a usina Santa Clotilde possui uma área bem próxima ao Conjunto e todo o ano irriga com vinhaça, mesmo sabendo dos riscos que esse liquido causa ao ser humano. Segundo os moradores na época da moagem os índices de doenças aumentam consideravelmente, principalmente nas crianças. Os moradores não denunciam isso com medo de represálias, pois grande parte do Conjunto trabalha para usina em questão. Este não é um fato isolado, em muitas cidades alagoanas e brasileiras acontece o mesmo fato.
Outro desastre ambiental ocasionado pela cultura da cana é a contaminação dos riachos e rios, através do uso de herbicidas para controlar as ervas daninhas dos canaviais. Esse agrotóxico tem sua origem do agente laranja que foi bastante utilizado na Guerra do Vietnã na década de 60 como desfolhante das matas onde os vietnamitas estavam escondidos.
Da queima da cana para facilitar o corte resulta uma fuligem que se dispersa através do vento pelos povoados e cidades próximas aos canaviais sujando as casas e provocando problemas respiratórios nas pessoas, principalmente nas crianças.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estado de Alagoas é dominado pela elite canavieira desde a sua criação até os dias atuais. Hoje o governador de Alagoas é um usineiro, no sentido literal da palavra, o Sr. Teotônio Vilela Filho, um dos donos da Usina Seresta, localizada em Teotônio Vilela-AL. A setor canavieiro concentra a terra e renda dos alagoanos.
As usinas e destilarias de Alagoas pertencem às famílias: a família Canuto é dona da Usina Terra Nova; a família Coutinho Dias Lins da Usina e destilaria Sinimbu; os Jatobás são donos da destilaria Roteiro; a Lyra, donas das Usinas Taquara, a Usina e destilaria Cachoeira do Mirim, Usina e destilaria Caeté, Usina e destilaria Guaxuma, Usina e destilaria Laginha, Usina Uruba e Usina Marituba; a família Oiticica, dona da Usina e destilaria Santa Clotilde e Santa Maria; os Sampaios são donos da Usina e destilaria Roçadinho; os Tenórios são donos das Usinas e destilarias Triunfo, Porto Alegre e Porto Rico; os Toledos são donos das Usinas Capricho, Sumaúma e da destilaria Paísa; as famílias Uchoa e Wanderlei, donas da Usina e destilaria Coruripe; os Vasconcelos, os Vilelas e Gomes de Barros, donos da Usina destilaria Seresta; o Grupo Italiano é dono das Usinas Serra Grande e Utinga Leão. Treze famílias são donas de mais de 70% de todas as terras agricultáveis do Estado. Em todo o Estado existe apenas uma destilaria que não era propriedade de famílias tradicionais de senhor de engenho de Alagoas e Pernambuco, a destilaria de Pindorama, que pertence a uma cooperativa de pequenos produtores.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIRA, F. J. Formação da Riqueza e da pobreza em Alagoas, Maceió: EDUFAL, 2007.
SANTOS, A. L. S. PEREIRA, E. C. G. ANDRADE, L. H. C. A expansão da cana-de-açúcar no espaço alagoano e suas conseqüências sobre o meio ambiente e a identidade cultural. CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v.2, n. 4, p. 19-37, ago. 2007.
UNICA – União da Agroindústria Canavieira de São Paulo. Acesso em: Out. 2007.
VALOR ECONÔMICO <> Acesso em: Out. 2007