domingo, 20 de dezembro de 2009

AGRICULTURA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Agroecologia só consegue ser praticada de forma avançada
pela agricultura familiar (WEID, 2009, p. 63).


Segundo PERTERSEN (2009, p. 05), a História, no entanto, já nos ensinou que a abertura de novos horizontes para a Humanidade muitas vezes vem de onde menos se espera. E parece ser exatamente essa a realidade que se desenha à nossa vista:
• Diante de um mundo crescentemente urbanizado, novas ruralidades apontam caminhos fecundos para a redistribuição demográfica e a descentralização econômica com a criação de postos de trabalho digno.
• Diante de uma agricultura cada vez mais artificializada, novos métodos de manejo técnico reconectam a agricultura e a Natureza, assegurando níveis produtivos elevados e a conservação da base ambiental que dá sustentação ecológica à agricultura.
• Diante da expansão desmedida de grandes fazendas monocultoras, que operam pela economia de escala, pequenas unidades de produção demonstram que a economia de escopo, viabilizada pela diversidade produtiva e pela integração de atividades, é uma estratégia consistente para conviver com ambientes econômicos cada vez mais erráticos e opressores.
• Diante do crescimento sem precedentes dos fluxos internacionais das commodities agrícolas promovido pela ordem econômica neoliberal, assistimos à reemergência e ao fortalecimento das cadeias curtas de comercialização e à revalorização dos produtos locais.
• Diante da crescente mercantilização da agricultura – a montante[1] e a jusante[2] – e da disseminação da racionalidade do empreendedorismo capitalista no campo, o afastamento estratégico dos mercados de insumos e de produtos ressurge por meio de trocas não-monetarizadas, fundamentando a moderna economia solidária em tradicionais relações sociais de reciprocidade.
Esse conjunto de fenômenos que se insinua de forma quase imperceptível para o conjunto da sociedade pode ser sintetizado pela noção de recampesinização do mundo rural. De fato, quando são considerados em conjunto, esses processos encontram sua coerência nas motivações dos camponeses de continuarem existindo e, dentro do possível, de prosperarem num mundo que lhes é cada vez mais hostil. Contrariando a antiga previsão do inevitável desaparecimento dos camponeses frente ao avanço da agricultura industrial e do capitalismo no campo, são exatamente eles e suas organizações que se apresentam nos dias de hoje, em plena era neoliberal, como uma das mais significativas forças de resistência à ordem hegemônica da globalização. Além de expressarem capacidade para resistir ao poder econômico e político-ideológico que nega a sua permanência enquanto modo de vida e modo de produção, as respostas camponesas a esse mundo hostil podem também ser interpretadas como sinais antecipatórios da sociedade democrática e sustentável que queremos ver construída e consolidada.

Agricultura Familiar
A chamada pequena produção sempre teve uma participação significativa na produção agrícola nacional. Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva já assinalavam a importância da agricultura de subsistência, que consideram a face oculta da economia e da sociedade coloniais, e dos recursos que a envolvem: uso e posse da terra, regimes agrários, hierarquias sociais (estrutura ocupacional, níveis de renda e fortuna), movimentos demográficos, cultivos, solos, climas (LINHARES e SILVA, 1981, p. 118).
A industrialização da agricultura induziu processos de especialização produtiva; a disseminação do empreendedorismo baseado na economia de escala; e uma forte dependência da agricultura a insumos comerciais e a mercados de produtos dominados por grandes complexos agroindustriais. Essas transformações foram determinantes para a salvação da grande propriedade patronal (antes escravocrata) que domina. Na paisagem rural brasileira desde os tempos coloniais, razão pela qual são atribuídas ao que se convencionou denominar de modernização conservadora. De fato, representa a versão mais acabada de um estilo de desenvolvimento orientado de fora para dentro (WANDERLEY, 2009) da propriedade.
Assim, a modernização da agricultura foi um projeto que se impôs ao conjunto da sociedade sob o argumento de que seria o portador do progresso para todos. Seu principal resultado foi à subordinação da agricultura à indústria, por meio da ação de setores industriais distintos, antes, durante e após o processo produtivo propriamente agrícola, constituindo-se o que se denomina um complexo agroindustrial (KAGEYAMA, 1990).
A professora Maria Nazareth Baudel Wanderley, da Universidade Federal de Pernambuco, argumenta que as condições que prevaleceram na formação do mundo rural brasileiro operaram sistematicamente no sentido de bloquear a expansão do espaço do campesinato ou da agricultura familiar como é caracterizado atualmente[3].
Uma das razões essenciais apontadas pela professora Maria Nazareth Baudel Wanderley para essa escolha foi à negação da agricultura familiar como forma de produção merecedora do mesmo voto de confiança dado ao patronato rural. Para legitimar a opção política pela grande propriedade perante a sociedade, foi necessária a criação de um conjunto de mistificações acerca do campesinato, que passou a ser associado ao atraso e à precariedade, sendo considerado, portanto, um segmento social que não condizia em nada com a ideologia do progresso então em voga.
A agricultura familiar é hoje reconhecida pelo Estado, contando inclusive com uma lei que a define e que estabelece diretrizes para a formulação de políticas públicas específicas (Lei n. 11.326, de 2006). Esse caráter familiar se expressa nas práticas sociais que implicam uma associação entre patrimônio, trabalho e consumo, no interior da família, e que orientam uma lógica de funcionamento específica. Não se trata apenas de identificar as formas de obtenção do consumo, através do próprio trabalho, mas do reconhecimento da centralidade da unidade de produção para a reprodução da família, através das formas de colaboração dos seus membros no trabalho coletivo – dentro e fora do estabelecimento familiar –, das expectativas quanto ao encaminhamento profissional dos filhos, das regras referentes às uniões matrimoniais, à transmissão sucessória, etc. (WANDERLEY, 2004, p. 45)

Desenvolvimento Rural Sustentável
Há muito tempo foi ultrapassado o conceito de Desenvolvimento como crescimento econômico. O prêmio Nobel de economia de 1993, Amartya Sem, define desenvolvimento como o processo de ampliação das capacidades de os indivíduos fazerem escolhas. Na realidade a busca do bem estar vai além da capacidade produtiva de uma sociedade. O diferencial está em saber se o aumento desta capacidade produtiva traz bem estar. O autor Augusto de Franco, diz-se que desenvolvimento significa em melhorar a vida das pessoas (desenvolvimento humano), de todas as pessoas (desenvolvimento social), das que estão vivas hoje e das que viverão amanhã (desenvolvimento sustentável).
É claro que toda agricultura significa algum tipo de interferência na natureza e certo nível de seleção de espécies privilegiadas em um ecossistema determinado, mas o objetivo é minimizar essas perturbações e manter o máximo de diversidade possível, tanto nas áreas produtivas como no seu entorno natural. Diante disso, concluímos que a generalização dos sistemas agroecológicos[4] no mundo exigiria a substituição das grandes empresas rurais por sistemas agrários baseados na agricultura familiar.
Para a felicidade da humanidade, agricultores camponeses em todo o mundo já estão mostrando que um sistema com essas características está em gestação e se baseia nos princípios da Agroecologia – embora haja alguma confusão conceitual com os sistemas chamados de orgânicos.
A escassez de combustíveis vai obrigar a aproximação de produtores e consumidores para diminuir o consumo de energia em transportes de longa distância. Para isso, a construção de cadeias curtas de comercialização, os empreendimentos associativos, a gestão de recursos coletivos (água, sementes, terra, etc.), os mutirões e os sistemas de troca-dia são alguns exemplos de dispositivos sociais que permitem que o campesinato construa uma relativa autonomia em relação ao intercâmbio capitalista.
Em uma sociedade do futuro, na qual muitos dos bens que hoje são de uso corrente deixarão de ser produzidos devido aos seus custos energéticos, as necessidades básicas da humanidade voltarão a ser a preocupação dominante. De todas as necessidades básicas, a alimentação é a mais essencial, sem a qual a vida cessa. A agricultura voltará a ser uma atividade vital, ocupando um espaço na economia que já foi perdido na maior parte do mundo ao longo de século XX.
Não se desconstrói o forte apelo social da categoria econômica representada pelo agronegócio sem rupturas políticas radicais, mas a pressão da realidade nos empurra para um projeto de agricultura baseado na agricultura familiar e na Agroecologia ou para a barbárie de uma crise social urbana e rural de dimensões nunca vistas (WEID, 2009, p. 65).

[1] indústria de insumos, maquinas e equipamentos, estrutura de financiamento de produção, instituições de pesquisa, etc.)
[2] setor de transporte, beneficiamento, armazenamento, estruturas de atacado e varejo incluindo os restaurantes, bares, hotéis, etc.
[3] que fique claro, desde já, que entre agricultores familiares e camponeses não existe nenhuma mutação radical que aponte para a emergência de uma nova classe social ou um novo segmento de agricultores, gerados pelo Estado ou pelo mercado, em substituição aos camponeses, arraigados às suas tradições. Em certa medida, pode-se dizer que estamos lidando com categorias equivalentes, facilmente intercambiáveis
[4] Sistema de produção agropecuário baseado pequena produção e que tem como objetivo produzir alimentos sem agredir o meio ambiente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KAGEYAMA, A. (Coord.). O novo padrão agrícola brasileiro: do complexo rural aos complexos agroindustriais. In: DELGADO, Guilherme Costa; GASQUES, José Garcia; VILLA VERDE, Carlos Monteiro (Org.). Agricultura e políticas públicas. 2. ed. Brasília: IPEA, 1996. (Série IPEA, 127), p. 113-223
LINHARES, M. Y; SILVA, F. C. T. História da agricultura brasileira: combates e controvérsias. São Paulo: Brasiliense, 1981.
LIRA, F. J. Formação da Riqueza e da pobreza em Alagoas, Maceió: EDUFAL, 2007.
PETERSEN, P. (org.) Agricultura familiar camponesa na construção do futuro, Rio de Janeiro: AS-PTA, 2009, 168p.
SANTOS, A. L. S. PEREIRA, E. C. G. ANDRADE, L. H. C. A expansão da cana-de-açúcar no espaço alagoano e suas conseqüências sobre o meio ambiente e a identidade cultural. CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v.2, n. 4, p. 19-37, ago. 2007.
Wanderley, M. N. B. O agricultor familiar no Brasil: um ator social da construção do futuro, Rio de Janeiro: AS-PTA, 2009, p. 33-47.
________. A modernização sob o comando da terra: os impasses da agricultura moderna no Brasil. Idéias, v. 3, 1996, p. 25-54.
________. Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidade. Estudos Sociedade e Agricultura (UFRJ), v. 21, 2004, p. 42-61.
WEID, J. M. V. D, Um novo lugar para a agricultura, In. Revista Agriculturas: experiências em agroecologia, Edição especial, Rio de Janeiro: AS-PTA, 2009, p. 47-66.